Gosto de ver a vida como um passeio, numa rua à beira mar. Nessa rua cruzamo-nos com muitas outras pessoas. Mas nem todas passeiam. Algumas passam por nós a um ritmo tão alto que quase não conseguimos vislumbrar os seus rostos de sofrimento. Outras passeiam, mas não desfrutam da paisagem; não valorizam o relaxamento que, ao perto, o bater das ondas na areia pode trazer ao nosso interior, nem a beleza estonteante do verde das serras, que lá ao longe, toca o nosso pensamento. Algumas focam-se nas pessoas com quem se cruzam para lhes lançar brita ou cascas de banana aos pés e desfrutarem de um prazer absurdo de ver os outros tropeçar, escorregar ou até cair.
É sobre este tipo de pessoas que eu hoje medito. Não compreendo o gozo que o sofrimento dos outros lhes dá. Principalmente porque, se alguém sofre ao meu lado, eu sinto tristeza e solidariedade; a única vontade que tenho é de ajudar e demonstrar o meu apoio e oro a Deus para que alivie esse fardo de quem sofre...
No entanto e a título de exemplo contar-vos-ei de seguida uma história verídica, que se passou há já 5 anos (mais ou menos).
Dois "amigos" entraram no meu estabelecimento numa noite em que não havia movimento algum; a casa estava vazia. Repararam que coloquei amigos entre aspas? Porque eles fingiam-se amigos um do outro; mas nas suas discussões jamais se apoiavam; guerreavam frequentemente por fazer prevalecer a sua opinião. E nas costas um do outro falavam mal e punham a descoberto a vida privada do seu opositor. Nessa noite eles permaneceram no estabelecimento das 22h00 às 02h00 do dia seguinte. Durante essas 4 horas consumiram somente 2 finos cada um. Eles viam que eu só aguardava a sua saída para encerrar o estabelecimento. O meu filho que na altura tinha uns 14 anos debatia-se com o sono. Sentamo-nos numa mesa e aguardamos que eles se dignassem sair, uma vez que já tinham parado de consumir. O Tiago acabou adormecendo sentado e com a cabeça pousada numa mesa. Um deles, que estava virado para o nosso lado ia fazendo o relato ao outro, que virava ligeiramente a cabeça e olhava de soslaio. De seguia sorriam um para o outro e continuavam na sua conversa sobre não sei o quê, que não os ouvia, mas devido a longas interrupções não devia ser muito importante. E só pelas 02h00 é que se levantaram, vieram pagar, pegaram na factura e saíram... Não eram pessoas incultas, porque um era professor do 3º e 4º ciclos e o outro um quadro técnico experiente, que por vezes viajava pelo mundo...
Felizmente no nosso passeio há pessoas que caminham ao nosso lado. Há pessoas que como nós se preocupam em ajudar e em ser solidários. Esse passeio, quando analisado em toda a sua extensão, não deixa de ter momentos de fraqueza em que precisamos de um ombro amigo ou de uma palavra encorajadora. Mas mesmo quando estou só, eu busco essa palavra nas Escrituras Sagradas. Eu procuro aí apoio para ultrapassar as pedras e as cascas que atiram para a minha frente. E como não basta ler e é preciso praticar, eu procuro perdoar como o Mestre mandou... Mas confesso que em algumas situações e principalmente quando mexe com o meu filho é mesmo muito difícil...
Domingos António Cabral
Retalhos da minha vida
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