sexta-feira, 6 de abril de 2012

Nesta cidadezinha

Na cidadezinha onde eu vivo há padrões constantemente quebrados. Vinte mil habitantes mostram a dimensão daquilo que, não passando de uma aldeia é chamada de cidade. As pessoas quase todas se conhecem e vivem em circulos sociais fechados onde o "status" prevalece sobre todos os outros valores e onde aqueles que de outro lado para aqui vieram não têm acesso, porque não dominam as intrigas locais.

Mas os políticos não diferem dos das cidades grandes, vendem a alma ao diabo para serem eleitos e se numa eleição o partido não os elege, na próxima mudam de partido e lá vão até ao tão ansiado poder, ou se calhar o mais importante, até às benesses que o poder, no nosso país, dá de mão beijada aqueles que não têm escrúpulos.

Já falei de valores, mas nesta cidadezinha os animais, em alguns casos, prevalecem sobre os seres humanos seus donos e na minha simplicidade de homem do norte, acabei por ser surpreendido... Um dia uma vizinha identificou-se, não pelo seu nome, mas por "A senhora do poeta"; claro que, segundo a educação beirã que o meu pai me deu, imaginei que seria esposa de um poeta. "A senhora de ou do...", na minha juventude, identificava a esposa de alguém, neste caso seria a esposa de um poeta. Um poeta na cidadezinha onde eu vivo e que eu não conhecia. Desde que aqui cheguei só ouvia falar em Júlio Dinis, mas havia um poeta e eu que tanto gosto de ler, nunca me havia apercebido. Comentei com a minha companheira e também ela, natural de cá e tendo sempre cá vivido, não conhecia o poeta.
Fui de imediato para a "net", tentei mil e uma pesquisas mas não consegui encontrar o nome do tal poeta, que da forma que a senhora havia mencionado devia ser conhecido de toda a gente. Restava-me perguntar, mas a questão era a quem e qual a forma de o fazer sem demonstrar a minha ignorância sobre a literatura vareira...
Depois de alguns dias a tentar encontrar uma solução para a abordagem, eis que me voltei a cruzar com a referida personagem e desta vez, acompanhada pelo seu cachorro rafeiro, a quem, a dada altura tratou por poeta...
A minha estupefacção ultrapassou todos os limites... Na cidade onde eu nasci, as pessoas identificavam-se pelos nomes; nesta cidadezinha já tinha notado que os títulos eram mais importantes, mas que o nome dos animais é que identificava o(a) dono(a) foi verdadeiramente singular. Vem no sentido da frase já mencionada que nesta cidadezinha há muitos valores invertidos, por isso é que "esta terra não sai da cepa torta", como se costuma dizer!

Domingos António Cabral
Retalhos da minha vida