quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Inveja

Ouço dizer desde pequenino que a inveja é algo muito feio.
É, não só desejar o que os outros têm, mas ter pena por eles o terem e nós não.
É não sermos capazes de nos contentarmos com o que temos e desejarmos o que é dos outros ao ponto, por vezes, de termos vontade que algo de mal actue transferindo aquilo invejamos do seu dono legítimo para nós mesmo.

Confesso que, ao longo da minha vida, nunca vi nada nos outros que fizesse florescer esse sentimento dentro de mim. Aprendi a viver com pouco, a valorizar o pouco e a batalhar para realizar os meus sonhos sem que isso implicasse passar por cima de alguém ou desejar algo de mal a alguém. Talvez tivesse sido a minha infância no Porto, numa casa, onde nasci, que nem sequer tinha aquilo que hoje se considera as condições mínimas, que me fez ver o mundo de forma diferente. Diferente, mas sempre sonhando. Algumas vezes com bens materiais, mas outras sonhando com a extinção da exclusão social baseada em princípios meramente materiais.

Como é óbvio, durante a minha vida trabalhei e lutei por condições com que em pequenino sonhei. E no meu sonho estava sempre presente o fazer o bem, o partilhar, o ajudar o próximo em dificuldades. Ao longo da minha vida fui alcançando pequenas vitórias e transformando-as em grandes conquistas. E nesse percurso, como é óbvio, acabei por sentir na pele o que é ser invejado. Curiosamente as situações mais complicadas de inveja vinham sempre de pessoas a quem eu dava a mão e ajudava. Tempos depois, mais semana menos semana, eu recebia a paga, a inveja... parecia até que as pessoas ficavam ressentidas por eu ter sido capaz de as ajudar. Nunca compreendi o porquê...

Mas foi num ambiente diferente. Num ambiente de comunhão espiritual. Num ambiente Cristão que, há cerca de 3 anos, eu senti a maior injustiça provocada pela inveja. Eu senti na pele o que era estar a ser invejado pelo pouco que tinha e curiosamente, a ser invejado por quem muito mais tem. Foi num ambiente supostamente fraterno e onde se busca apoio para ultrapassar dificuldades de todo o tipo, que eu encontrei a mais alta carga de inveja, de toda a minha vida.

E Jesus manda perdoar... e eu confesso que sempre abafei o meu sentimento de mágoa e mesmo no dia a dia, nunca valorizei o que de mal me fizeram. Mas confesso que não esqueço Actos dos Apóstolos 20:29 "Eu sei que, logo após a minha partida, lobos ferozes se infiltrarão por entre a vossa comunidade e não terão piedade do rebanho." A verdade é que paralelamente em mim cresceu a dúvida se não seria eu o infiltrado, se seria um rebanho ou um misto de alcateia e se estaria no "O Caminho" certo... Por isso preocupei-me mais em seguir a minha consciência, porque como dizia Lutero: "Como Cristão agirei sempre em consciência e que Deus me ajude."

Domingos António Cabral
Retalhos da minha vida

domingo, 9 de junho de 2019

Ida à Praia do Molhe

No Verão dos meus tempos de meninice, por volta das 06h30 lá ia eu da Rua de São Dinis até è rotunda da Boavista a pé, com a minha mãe e aí apanhava o eléctrico para a Foz. Saíamos na Praia do Molhe, era o nosso destino.

Depois de quase 2 kms a pé, esperávamos cerca de 10 minutos pelo eléctrico e a bordo seguia-se um quarto de hora pela Avenida da Boavista, Castelo do Queijo e Avenida Montevideu.

Confesso que gostava da praia, principalmente na maré baixa com os rochedos à vista e as pequenas poças onde eu chapinhava na água salgada. Mas era a viagem de eléctrico a parte mais emocionante. Aquela imensa Avenida da Boavista, com as árvores a passarem por nós em sentido contrário, os casarões enormes com grandes muros e portões altos de ferro e o Sol que naquela Avenida tinha um brilho especial... Era outro mundo, muito diferente do local onde eu tinha nascido e morava.

Por volta do meio dia iniciava-se o percurso inverso e eu aproveitava todos os minutos a bordo do eléctrico, porque sabia que chegados à Boavista iniciar-se-ia a parte mais dolorosa do dia. É que com o Sol de Verão mesmo por cima das nossas cabeças, as temperaturas subiam muito, não havia sombras e a frescura física matinal também já tinha ido... A Avenida da França era, aquela hora, muito mais longa e o Carvalhido parecia que se movia na nossa frente para não ser alcançado... Mas quando ultrapassado, ainda restava a subida da Rua da Natária e parte da rua de S. Dinis...

Domingos António Cabral
Retalhos da minha vida

segunda-feira, 8 de abril de 2019

NO MEU TEMPO DE JUVENTUDE…

No meu tempo, na minha rua, os putos eram o que eram, miúdos irrequietos, gostavam de jogar à bola (algo parecido com futebol, mas com uma bola de trapos e as pastas da escola a servirem de postes das balizas), de ir para o café falar de política, embora pouco percebêssemos porque o 25 de abril de 1974 só tinha ocorrido 3 ou 4 quatros anos. Frequentar o primeiro Shoping Center da cidade, o Brasília e andar nas escadas rolantes, na altura novidade por cá.

Não me lembro de nenhum colega meu que frequentasse aulas de ballet… era uma sorte que tínhamos nesses nossos tempos, já na juventude do meu filho não era assim e eu sentia alguma dificuldade em compreender porque os pais faziam tanta questão de mandar os filhos e filhas para o ballet… costumava mesmo dizer que se avizinhava um país de bailarinos e bailarinas no futuro. E ria cá por dentro quando via aqueles miúdos, mais gorditos, de collants a esconderem-se no banco de trás do carro dos pais, quando estes paravam a falar comigo. E os putos, mal atingiram aquela fase de contrariarem e discutirem com os pais, saíram todos do ballet, felizmente para eles. Não tenho nada contra o ballet, principalmente para quem tem vocação, mas cá na terrinha, anda-se por modas ou porque o vizinho faz eu também tenho que fazer… por isso na Associação de Pais a que pertenci eu notava que as pessoas não me compreendiam, eu não andava em função de ninguém ou mesmo de invejas, para ser mais objetivo…

Eu ia para a escola de sapatos de lona, nada mau e um sobretudo roto ou melhor cozido numa manga que servia de chacota para alguns colegas meus, mas só até um dia… aquele dia em que lhes mostrei o remendo da minha manga em close-up. A partir desse dia passou a ser normal. Se fosse hoje até seria moda ir de roupa rota para a escola, nem sequer remendada… quando vejo alguns jovens de calças rotas dá-me vontade de os mandar, a eles e aos pais, se calhar mais às mães, a uma consulta de psiquiatria.

A comparação seguinte que ia fazer era a do lanche, mas desisti. Desisti por falta de elementos para comparação. No meu tempo felizes eram os que levavam lanche. A maioria limitava-se a esperar pela hora das refeições principais. Mas tinha uma vantagem, eramos muito menos esquisitos. Um dia destes o meu filho dizia-me não gostar de salsichas e eu pensava que bom que era para mim darem-me duas salsichas, daquelas pequenitas de lata, com um prato de puré de batata, porque a maior parte das vezes o puré aparecia sozinho à minha frente e eu como bom cristão, acolhia-o de braços abertos ou neste caso de boca aberta. Dizia a minha mãe: “ele gosta muito de puré”, claro não havia mais nada.

Mas estes episódios fizeram-me crescer e ser mais forte. Da minha geração muita gente emigrou. A onda de emigração já tinha começado quinze ou mais anos antes. Eu quis ir voluntário para a Força Aérea, sabendo que podia frequentar um curso de formação útil para o meu futuro, mas a minha mãe não deixou, porque nesses anos, os mais velhos ainda sofriam do síndroma da guerra colonial e a tropa era um destino tenebroso aos olhos das mães que viam os filhos partir. Mesmo depois da guerra ter terminado o estigma permanecia sobre a tropa. O meu futuro era assim condicionado porque, na altura, os meus direitos eram os de obedecer aos meus pais. Tive que procurar a auto-suficiência económica para poder romper os laços que me amarravam e não me deixavam aprender a caminhar por caminhos escolhidos por mim.

Comecei a conhecer então outro tipo de avaliação, principalmente paterno. Chegar mais tarde a casa significava ser "insurra" (a palavra em português que o meu pai pretendia era insurreto). Ter uma opinião sobre política diferente da dele, mesmo que a maior parte das vezes fosse ténue a diferença, era ser comunista. Não acreditar em princípios tradicionais do polvo católico dirigido pelo Vaticano era ser Testemunha de Jeová. O curioso é que o meu pai não era propriamente um frequentador assíduo da igreja católica e a minha mãe então muito menos. O meu pai passou a ser amigo do abade cá da terra, após ficar viúvo e precisar de apoio para ao final de 15 dias da minha mãe ter sido sepultada já andar com outra mulher. E claro que quando disse ao abade que o filho era comunista e Testemunha de Jeová, ganhou um aliado. Mais forte ainda deve ter sido essa aliança quando o dito abade soube da minha amizade com um dos poucos padres que lhe faziam frente, não teologicamente, mas sim na gestão dos crentes e distribuição de sacramentos.

Via há momentos um vídeo no Youtube dos desenhos animados Heidi. E de facto foi uma série com muito êxito na minha juventude. Nós compreendíamos a personagem que era feliz com tão pouco (materialmente). Como o amor do avô e a vida simples do campo, junto de animais e da flora natural eram mais importantes do que tudo o resto. Como uma simples e sincera amizade vivida pelos personagens motivava as crianças de então. Apesar de estarem no primeiro nível da pirâmide de Maslow, os personagens de Heidi atingiam os patamares mais elevados da dita e punham em causa, sem saber, as teorias aceites por tantos cientistas da MIT.

Domingos António Cabral
Retalhos da minha vida

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Sonho ou pesadelo...

Durante o sono, sonhei, mas terá sido sonho ou pesadelo? Durante as horas de repouso, através da minha mente algo me foi revelado. Não vou ousar interpretá-lo, mas desafio-vos a meditarem e procurarem a resposta nos vossos corações, porque um dia me disseram que as interpretações corretas eram as que eu mesmo descobria, quando conseguia meditar e focar-me no Deus que se fez Homem e habitou entre nós.

As nuvens dissiparam-se na minha frente e vi uma igreja. Não me recordo do edifício ou da porta, mas sabia que era local de culto. De repente encontrei-me no seu interior. Não vou descrever pormenores da igreja, porque entendo que pode ser qualquer uma. As mensagens Divinas são transversais a todos aqueles que creem independentemente de estarem mais perto ou mais longe da Verdade que Ele nos revelou, mais perto ou mais longe d’Ele, porque só Ele é o “Caminho, a Verdade e a Vida”.

No templo de adoração os convidados para a ceia acotovelavam-se uns aos outros na ansiedade de serem os primeiros a ser servidos. Esqueciam que o Primeiro foi o que serviu e não o que foi servido. Cânticos e orações ecoavam nas paredes, mas não conseguiam abafar totalmente alguns murmúrios.

Vi ao fundo a mesa posta, mas o meu olfato não captava qualquer odor a pão ou a alimentos. No entanto a imagem era convidativa. Na mesa, os alimentos resplandeciam e uma réstia de sol que entrava pelas janelas expunha o rosado do vinho.

Comecei a caminhar pelo corredor central, em direção ao púlpito que se encontrava ao lado da mesa, mas quanto mais passos dava mais longo era o caminho. Não estava num tapete rolante em sentido contrário, mas quando olhei para os meus pés vi que estava descalço e não saía do sítio. Naquele momento senti um certo embaraço e procurei ver se alguém me observava, mas dentro de mim uma voz me questionou porque é que estava preocupado com o mundo?

Eu sei que queria chegar à mesa, que já estava rodeada por muitos, mas não conseguia vencer a distância. Dei comigo a mastigar aquilo que via ao longe, aqueles alimentos brilhantes e bonitos à visão humana e algo me voltava a questionar, se era mesmo aquilo que queria? Não tem odor, não tem sal. Então percebi que a comida, cujo odor não chegava a mim, também estava insossa.

Parei de caminhar e fechei os olhos. Quando os abri, vi que junto a mim tinha uma outra mesa. Vários ingredientes dos quais logo se destacava o saleiro e a farinha. Então senti vontade de cozinhar o meu próprio pão. Meti, por assim dizer, as mãos à massa. Não demorou muito que se espalhasse pela sala o aroma a pão fresco. 

Alguns dos convidados abandonaram a mesa à distância e vieram até à minha. Outros continuaram lá a acotovelarem-se e a ingerirem grandes quantidades do que havia. Reparei então que uma garrafa grande, maior do que é habitual, de vinho tinto que estava já aberta à minha direita e senti vontade de verter o néctar num copo e antes de o partilhar com os que me rodeavam, pegar nele e dar graças ao Criador. Obrigado Jesus pelo sangue que derramaste na cruz! 

Senti que Aquele em quem eu creio, ao ver o meu espanto e a minha dificuldade em decifrar o momento, sorria para mim…

Domingos António Cabral
Retalhos da minha vida

Bíblia Sagrada, Livro de Atos dos Apóstolos 2:17 "E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, Que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; E os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, Os vossos jovens terão visões, E os vossos velhos sonharão sonhos;"