quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Tive sede... E voltei a ter sede...

Na minha infância andei na catequese, mas pouco ou nada me ficou desse tempo. Por volta dos dez anos de idade e até aos quinze ajudava à missa. Nas leituras o padre lia excertos dos Evangelhos e eu das Epístolas. Achava aquilo uma enorme injustiça, o que eu mais gostava não era lido por mim. De qualquer das formas, os excertos dos Evangelhos deixavam-me sempre vontade de saber mais. Um dia questionei o padre, que me respondeu: "Se sentes vontade de saber mais, tens que ler os textos sagrados na íntegra e interpretar tu mesmo. Começa pelos quatro Evangelhos do Novo Testamento; pelo Evangelho de João que nas publicações é o quarto. Se tiveres dúvidas procura a resposta no teu coração, mas se precisares de ajuda vem ter comigo."

Começou então o meu contacto com as Sagradas Escrituras. Li os quatro Evangelhos e o livro de Atos dos Apóstolos e gostei. Logo na primeira leitura do Evangelho de João, quando cheguei ao Capítulo 4, versículos 10 a 14, senti a minha sede a ser saciada.
Mas com o tempo afastei-me e experimentei outras bebidas. Estávamos nos anos pós-revolução e eu na minha adolescência. Procurava o meu caminho. Um caminho para a minha vida. E voltei a ter sede.

Voltei ao Novo Testamento e aos Evangelhos. Já os tinha lido, mas quis voltar ao princípio e desta deparei-me com João 14:6 "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, ninguém vai ao Pai senão por mim." (Palavras de Jesus). Voltei a sentir a minha sede saciada e encontrei o meu caminho. Mas passado mais algum tempo dei comigo a atravessar o deserto. Novamente à procura do Caminho. E voltei a ter sede.

Li então os livros de Moisés e tentei perceber a Lei. Fiquei fascinado com a paciência de Jó. Não me imaginava capaz de tal e fiquei um admirador deste personagem. Alguns se admiraram eu ter ousado ler este livro tão cedo. Em Daniel percebi o que era de facto a Fé inabalável. Nos Salmos encontrei e ainda hoje encontro uma fonte de encorajamentos e formulas de louvor que não nos deixam esquecer a grandiosidade de Deus e a pequenez do ser humano imperfeito. Provérbios dão-nos o mote para o nosso comportamento e o Eclesiástico é para mim, a continuação de Provérbios de uma forma ainda mais estruturada e objectiva. E a minha sede voltou a ser saciada. Agora senti que o foi de uma forma mais profunda.

Mas como ser humano que sou, passei a minha vida (e continuo) a cair e a levantar-me. Passei a vida a encontrar-me com Deus e a abandoná-lo. A arrepender-me e a re-encontrá-lo. A pedir perdão e a cometer os mesmos erros. A acreditar que Deus entende e por isso me castiga, me deixa cair, me deixa sofrer, me deixa sem forças... E eu, eu na minha pequenez humana tantas vezes tenho vontade de desistir, desistir de tudo, até mesmo da vida...

Domingos António Cabral
Retalhos da minha vida

Sem comentários: